terça-feira, 19 de agosto de 2008

O Coração das Trevas

Comprei O Coração das Trevas, em uma edição da Martin Claret, dez pratas na banca. Andava cismado com este livro desde que soube que ele entra na composição direta de King Kong e é a base para Apocalypse Now. Lendo o livro, muita coisa se explica das duas obras.

Escrito por Joseph Conrad, escritor polonês que se bandeou pra Inglaterra no Século XIX, da estirpe dos escritores-aventureiros, registrando com o talento da palavra suas experiências em locais exóticos e distantes -- ele própio um marinheiro mercante -- para a Europa de seu tempo, ávida por novidades.

É um livro de leitura densa, com excessiva - aos olhos deste ignorante, pelo menos - descrição de lugares e sensações, mas tão densa quanto a selva que o protagonista vai se embrenhando. Assim como em Apocalypse Now, há o mítico "homem que não está lá", mas que ao redor todas as admirações giram, de suas ações, pensamentos e feitos, o mítico Kurtz. Talvez seja o maior "macguffin" da literatura pelo menos até a estatueta de Relíquia Macabra/O Falcão Maltês: o tempo todo lemos sobre o quão geniais são as idéias de Kurtz, o tempo todo lemos sobre sua grandiosidade, que os nativos o veneram -- mas não temos a menor pista sobre quais exatamente elas sejam, ou como exatamente ele fez para ser tão adorado, independente da cor de pele.

Talvez o importante ali seja exatamente a viagem de Marlowe, o protagonista, e o quanto isto o transformou. Uma fonte de oposição permanente, com tons sombrios, quase consciente, tida como maléfica, é a selva pela qual todos viajam a bordo do vapor caindo aos pedaços até o entreposto de marfim gerenciado por Kurtz. Nem precisa de ataque de selvagens: basta a presença da densa selva ao redor, como se aguardando o momento oportuno de atacar, olhando feito diretamente para os invasores ali. E, apesar de tudo, eles continuam avançando.

"O Coração das Trevas" é um título que tem alguns níveis de interpretação possíveis: tanto da parte não aberta dos mapas, quanto da selva em si, quanto dos horrores que o colonialismo europeu impunha no continente africano. Conrad não faz nenhuma apologia aberta contra o sistema, mas não precisa. A passagem pelo primeiro entreposto comercial e o estado de alguns tantos escravos ali presentes pode dar alguns engulhos. Não creio que ele precisasse ter exagerado de alguma maneira.

A edição da Martin Claret ainda traz, ao final, resumo e análises das partes do livro. É bem interessante. Destaco o comentário sobre o conservadorismo político de Conrad não impedir que seus personagens sejam, do que fala o livro, outsiders no geral. Um paradoxo bem-vindo, creio.

Cheguei a comprar Nostromo, um romance dele. Vamos ver como se sai.

2 comentários:

denise bottmann disse...

muito interessante.
apenas uma observação:
"Talvez seja o maior "macguffin" da literatura DESDE a estatueta de Relíquia Macabra/O Falcão Maltês".
o "desde" aí confunde a gente: o coração das trevas foi publicado pela primeira vez (em três partes) em 1899; o falcão maltês é de 1930. não seria talvez o "maior 'macguffin' da literatura MUITO ANTES de O Falcão Maltês"?

um abraço
denise

Luiz Felipe Vasques disse...

Corretíssima, Denise! Realmente não havia pensado na questão de tempo entre as duas obras. Vou rever o texto e corrigir isto.

Leitores atentos sempre são importantes. ;-)