segunda-feira, 14 de fevereiro de 2011

Direito de Escolha?

Estou, é claro, adorando o que já vi ser chamado Arab Awakening: protestos populares cada vez mais assíduos no dito mundo árabe, lutando contra o fim das ditaduras locais. Palhaçadas como o governo de Hosni Mubarak, no Egito, que há trinta anos no poder mantém a "lei de emergência", medida esta que, entre outras coisas, censura órgãos de imprensa -- ei, se o seu país está em 'estado de emergência' por 30 anos, o que exatamente isto diz de você, como governante?

Uma particularidade vista na Tunísia e sua dita Revolução de Jasmin foi a ausência de movimentos ideológicos ou religiosos: os protestos vieram simplesmente de uma população de saco cheio, com uma perspectiva nula de progresso em suas vidas, e comparando o seu país com países que funcionam. Tem uma hora que enche o saco, simples assim. O exemplo da Tunísia entusiasmou a população do Egito, que também conseguiu depor seu FDP-Mor local.

As mais de 200 mil pessoas vistas naquela praça central do Cairo, por 18 dias -- já estão dizendo que foram os 18 dias necessários para Mubarak & gangue acabarem de roubar e mandar tudo em segurança pra fora --, e que devem estar lá festejando até agora, emocionaram muita gente. Eu achei o maior barato, e espero de coração que estejamos vendo uma repetição de 1989 e a Queda do Muro de Berlim: bastou cair a Alemanha Oriental, o resto foi, de podre.

Mas ai, começam, é claro, as preocupações: o que vai entrar no lugar?

Aos olhos da iluminada burguesia ocidental, a entrada de governos teocráticos, ou religiosos radicais -- o que, pessoalmente, eu acho que não vá acontecer, não acho que a repetição do Irã seja uma regra, apesar da tendência do Iraque, seu vizinho, logo após da derrubada de Saddam Hussein -- representaria não só um perigo, como um retrocesso. Concordo com o primeiro, encrenco com o segundo. Retrocesso?

É claro que eu não quero uma teocracia pra mim, um país burro, com uma só visão, e que muito provavelmente derrubaria direitos de minorias conquistados a muito custo. Deve ser por isso que eu não vou morar no Irã, Mauritânia ou quejandos, percebam. Ou no Arizona, para não ficar apenas em um exemplo.

Mas eu também não vou por juízo de valores na 'escolha popular'. Presentemente, no Egito, ela está sendo muito elogiada por ter posto abaixo seu ditador. E sem bombas, sem auto-imolação e tragédias associadas com radicalismos religiosos, o que realmente nos faz aquecer o coração.

Mas aí subitamente sobe ao poder um Aiatolá Khomehini da vida. Balde. E por aclamação popular. Subitamente, a tão elogiada "voz do povo", "sabedoria popular", será encarada pelo mais liberal dos democratas com a mesma mentalidade de nossos militares na ditadura: povo não sabe/não está preparado para votar.

Ocorre então que, se formos associar Evolução com processos sociais e históricos, que o façamos da forma correta: sem juízo de valores, sem "linha narrativa" levando ao alto, a algo "superior" -- em nossa direção, é claro --, apenas outra transformação, conforme dita a necessidade. Não é pra agradar a mais ninguém, que a eles mesmos. Period.

Das duas, então uma: ou encaramos que somos tão liberais até que nos aperte o sapato -- embora talvez o nosso sapato seja o mais folgado de todos --, e que essa porra de 'direito de escolha' é o caraio e mete escola pra esses putos pra eles aprenderem o que é escolher pois o nosso meio é melhor do que o dos outros ao menos neste caso, o que nos deixa em última análise pelo menos com um ar de hipocrisia; ou engolimos em seco um tal de "Direito de Autodeterminação dos Povos", que não se chama "Direito de Autodeterminação dos Povos Porém", e seguimos adiante. Nem que por uma questão de coerência interna nossa: isso aí é papo ocidental, outras culturas não necessariamente vêem assim. Na melhor das hipóteses, lidere pelo exemplo.

Não gosta? Ignore. Não dá pra ignorar, sorria polidamente. Não dá pra sorrir quando se aglomeram aos nossos portões, pegue em armas. É lícito, neste caso.

E assim caminha a Humanidade.

segunda-feira, 7 de fevereiro de 2011

O Dossiê Odessa, por Frederick Forsythe

Spoilers zone ahead.

Meu segundo Forsythe, antes deste, só havia lido a coletânea Sem Perdão, alguns anos atrás, e havia gostado. Conhecia o filme, com John "pai da Angelina Jolie, sim, é sério, juro" Voight, que assisti anos atrás e guardei uma boa impressão.

A Odessa, para quem nunca ouviu falar, é uma organização criminosa alemã que se dedicou a ajudar fugir criminosos nazistas da II Guerra Mundial. O submundo desta organização é apresentado, enquanto uma conspiração contra Israel é apresentada.

Frederick Forsythe, pelo que andei apurando, é conhecido por extensas pesquisas sobre o que vai escrever, hábito herdado, pelo que entendo, de sua profissão como repórter. Isto fica claro no livro, pois não a nega ao leitor: querem saber como armar uma bomba caseira e ligá-la a um carro, ou quais são as divisões principais do serviço secreto israelense, ou como se falsifica(va, a história se passa em 1963) passaportes na Alemanha do pós-guerra? Salvo certo floreamento, omissão ou despiste proposital de informações mais sensíveis, e eu espero que haja, leiam O Dossiê Odessa. Seja pela narrativa impessoal, ou pela boca dos personagens, este acúmulo de informações não chateia, de forma alguma, ou a inverossimilhança dos diálogos - monólogos quase, em alguns casos - não incomoda. Acho que uma marca de bom escritor passa, ou pode passar, por ai.

A história pode ser resumida como sendo a de uma vingança pessoal, que move um homem a sair de uma 'zona de conforto' para se envolver com o pior tipo de pessoas possível. No processo, vemos personagens imaginários (o próprio protagonista) e reais (o antagonista) interagindo numa ficção curiosa, onde podemos pensar se este ou aquele têm realmente uma personalidade crível como a apresentada.

Os personagens são apresentados de maneira rápida, às vezes com um certo tom de humor: Peter Miller, o herói, é um jornalista freelancer de sucesso, tipo bonitão, meio cafa, com seu jaguar inglês pra cima e pra baixo; sua mulher Sigi é uma belíssima stripper com o coração de ouro, e por ai vai: os personagens não precisam ser mais definidos além disso, pois o Dossiê Odessa (1972) é uma história de ação e aventura, ainda que uma boa parte seja consumida em investigação, e na movimentação da oposição, da qual o herói mal se apercebe.

A história aborda ainda, em um outro plano, a noção de culpa da população alemã, mesmo poucas décadas depois. É um pensamento complexo, mas que está lá, e merece a reflexão. A saída da 'zona de conforto' acima citada do personagem o traz por estas paragens.

Em suma, vale à pena a leitura.

O Dossiê Odessa (edição de 1976)
274 p.
Editora Record